A história de Arnaldo Baptista tinha tudo para acabar mal. Moleque-prodígio do tropicalismo, cultuado como a própria personificação do movimento por Caetano, Gil e Tom Zé, o cérebro criativo dos Mutantes esteve perto de ter o mundo nas mãos. Mas, como em tantos outros casos da época, o desbunde da década de 60 virou badtrip nos 70. Em uma avalanche que envolveu uma dieta diária de LSD, crises com os colegas de banda e o fim de um relacionamento de oito anos com Rita Lee, Arnaldo saiu dos Mutantes direto para uma descendente de depressão e loucura. Ladeira abaixo, ainda sobrou talento para gravar “Lóki?” (1974), seu primeiro disco solo, obra tão grandiosa quanto solenemente ignorada pela crítica e pelo público ao longo de décadas. Finalmente, no réveillon de 1982, internado na ala psiquiátrica do Hospital do Servidor Público, em São Paulo, resolveu levar ao limite a relação entre arte e vida. Pulou do 4º andar – talvez para, como um dos personagens do livro que batizou sua antiga banda, se dissolver em luz. Acordou meses depois, milagrosamente, sob as piores previsões de recuperação possíveis.
Mas Arnaldo é um sujeito de sorte. Ao lado do leito em que estava, uma dupla de amigas fazia uma vigília heroica. Uma delas, Lucinha Barbosa, acabou se casando com ele. Mais do que isso: o adotou como missão de vida. Nas duas décadas em que o casal morou em um sítio na cidade de Juiz de Fora/MG, Arnaldo se recuperou – com sequelas, como a da fala, causada por uma traqueostomia –, desenvolveu o hábito da pintura e seguiu compondo. O mais importante, sobreviveu para ver sua importância finalmente reconhecida em âmbito mundial. A partir dos anos 1990, uma onda de revalorização da música dos Mutantes se seguiu ao interesse de Kurt Cobain pelo grupo. Na esteira, Arnaldo ganhou uma leva de novos seguidores no exterior, como Devendra Banhart, Sean Lennon, Belle and Sebastian, Circulatory System (aka Neutral Milk Hotel sem Jeff Mangum) e outros. Em 2006, na volta dos Mutantes, viu a plateia do sisudo Barbican Theatre, em Londres, quase colocar o teatro abaixo. Um ano depois, no Brasil, foi ovacionado por 80 mil pessoas no Parque da Independência, em São Paulo, de longe o maior público na história da banda. Ainda em 2007, se desligou novamente dos Mutantes e ficou de fora de “Haih ou Amortecedor”, melhor esforço do grupo desde “Mutantes e Seus Cometas no País do Baurets”, de 1972 (último registro em estúdio com Arnaldo, seu irmão Sérgio Dias e Rita Lee, antes da fase progressiva dos Mutantes). Ano passado, teve sua vida retratada no ótimo documentário “Lóki?”, produzido pelo Canal Brasil e dirigido por Paulo Henrique Fontenelle. No filme, se referiu ao incidente no hospital em 82 como fundamental na sua vida: “fui podado, recuperado de um jeito absoluto”. Nada mais natural para um mutante.
“Em vez de usar o sol ou o vento pra produzir energia, ainda somos piromaníacos. Mas atingimos atingiu uma etapa em que devemos tomar consciência do que estamos fazendo com o nosso lar, a Terra.
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Entrevista não foi feita por mim :@dyedre_p , mas por um amigo de outro blog .
É nada mais nada menos, com o grande Arnald Baptista!. \o\
O primeiro disco dos Mutantes é bem tropicalista, com muitas parcerias, orquestração, diversidade. O segundo é um pouco menos, mais focado na parceria com o Tom Zé e em vocês três. O terceiro já tem bem menos Duprat e nada dos outros tropicalistas.O tropicalismo pros Mutantes foi só um momento daqueles dois primeiros discos mesmo, ou vocês levaram alguma coisa com vocês depois?
Foi uma coisa dos primeiros discos, concordo. Hoje não me atinge tanto, mas no exterior as pessoas são muito conectadas à Tropicália. Mas tem tantas coisas profundas na vida além de estilos, né? A diferença entre o Mutantes e eu atualmente, por exemplo. Virou uma banda sem amplificador valvulado, sem instrumento Gibson... Muitas guitarras, sintetizadores. Virou um lado orquestral sem orquestra. Tá bem próximo a Yes, Genesis e distante de Cream etc. Tem essa diferença de estilos, hoje.
Como você avalia o som dos Mutantes hoje?
Eu acho que tá mais... gay (risos gerais). É um papel carbono dos Mutantes de antigamente, sem orquestra e com sintetizador. O Sérgio nunca foi de estudar, sempre foi meio rebelde, mas ultimamente, nos ensaios, ele vinha tentando dar uma de professor. Fica dando ordem, bronca, parece uma escola de música, não mais um conjunto. Eu cansei de convidá-lo pra vir até a minha casa, mas ele nunca foi. A humildade pra ele é muito difícil de entender. Mas isso já passou.
Na fase inicial vocês eram um contraponto tropicalista aos Beatles, mas depois foram pra esse lado. Como você avalia essa mudança?
Acho que teve muito a ver com o fato de a gente ter ouvido Yes, pelo “Yes Álbum”. Eu, que até aquele momento não tinha me apaixonado por nenhum tecladista, passei a adorar o Tony Kaye. Gostei do som que ele fazia, e enveredamos por esse lado, com todos os prós e contras. O Liminha comprou um baixo igual ao do Chris Squire (baixista do Yes), um Rickenbacker, que eu não gosto – acho muito fraco, sem saída, muito agudo, estereofônico. Fica muito tipo orquestra sinfônica. Tipo Yes, né? Isso acabou me fazendo concentrar minha composição mais no teclado do que no baixo, como era no começo. E [o teclado] ampliou mais minha forma de ver as coisas.
Hoje, quando você pensa nos Mutantes, que fase você lembra mais?
Interessante essa pergunta, é uma etapa tão importante da minha vida. Tenho impressão que a parte que mais me atingiu foi o “Tecnicolor” (disco gravado em 1970 e lançado apenas em 2000), foi o lado mais total nosso. Gravamos em Paris, fomos mixar no estúdio dos Beatles. Ampliou o nosso conhecimento, nossos horizontes musicais. Eu tive a consciência da música do Mutantes para o mundo, não só para o Brasil. Teve também o “Baurets” (Mutantes e Seus Cometas no País do Baurets, disco de 1972), que expandiu bastante nossa música aqui no Brasil. Esse disco foi importante não só pela “Balada do Louco”, mas como um todo para os Mutantes
O que você acha do mundo hoje?
Acho que a Terra está no apogeu da Era Ígnea. Pros ígneo-rantes, “ígneo” é relativo ao fogo, né? (risos) Em vez de usar o sol ou o vento pra produzir energia, ainda somos piromaníacos. Mas atingimos uma etapa em que devemos tomar consciência do que estamos fazendo com o nosso lar, a Terra. Poderíamos tentar nos comunicar com seres extra-terrenos pra ver se aprendemos alguma coisa. Mas se eu fosse um ET e visse a Terra como ela é hoje, tão careta e religiosa, hesitaria antes de entrar em contato com gente que poderia me julgar Deus. Imagina, eu fazendo telecinese por eletroímãs e o povo achando que era milagre? (risos) Penso também que a humanidade – mudando de palhaço pra físico, como eu te falei (risos) – aprendeu a eliminar os gauss (medida de densidade de fluxo magnético) dos ímãs, mas, pra vencer a força da gravidade, teria que eliminar os grávitons (partícula hipotética da gravidade quântica), que determina que objetos não-metálicos, como a minha mão, sejam impulsionados para baixo. Os discos voadores fazem isso. Mas o ser humano evolui, hoje em dia já se fabrica até aviões sem piloto, que atingem velocidades tão altas que uma pessoa não aguentaria. Vai saber até onde a humanidade chega... ciborgues, sei lá (risos).
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